terça-feira, 29 de abril de 2014

O Bayern num poema de Sophia e o Real numa frase de um conterrâneo de Ancelotti.

"A confusão a fraude os erros cometidos 
A transparência perdida — o grito 
Que não conseguiu atravessar o opaco 
O limiar e o linear perdidos 

Deverá tudo passar a ser passado 
Como projecto falhado e abandonado 
Como papel que se atira ao cesto 
Como abismo fracasso não esperança 
Ou poderemos enfrentar e superar 
Recomeçar a partir da página em branco 
Como escrita de poema obstinado?"

Penso neste poema de Sophia Mello Breyner Andersen, intitulado Os Erros, ao ver o Bayern esta noite. No fundo, os bávaros foram quase só "a confusão, a fraude e os erros cometidos". Agarrados a uma ideia interessante, mas que leva o seu tempo a ser implementada ao mais alto nível, os comandados de Pep Guardiola caíram sem honra, nem glória, depois de uma noite onde só existiram, como de costume, em termos de posse de bola. A transição defensiva continua a ser um susto, a saída de bola foi tudo menos confortável perante um Real capaz de adiantar as linhas de pressão em vários momentos-chave e a construção ofensiva foi somente um aglomerado de passes, sem qualquer efeito prático e objectivo. Mas, no meio do caos, Guardiola seguirá, certamente, a filosofia de Sophia e irá "enfrentar e superar, recomeçar a partir da página em branco, como escrita de poema obstinado". Uma derrota, por mais dura que seja, não deve, jamais, colocar em causa uma ideia que já provou ser capaz de vencer (e não, não foi só em Barcelona, caso contrário, o Bayern nunca teria sido campeão alemão com uma vantagem tão escandalosa, nem estaria na final da Pokal ou teria ganho Supertaça Europeia e Mundial de Clubes...).

"A verdadeira glória de um vencedor é a de ser clemente". 

Ao ler as declarações de Carlo Ancelotti no pós-jogo, lembrei-me desta frase do mítico escritor da Revolução Napolitana, Vincenzo Cuoco. Ao elogiar Guardiola e o seu sistema de jogo, ao referir as dificuldades e os méritos da sua equipa depois desta conquista, o italiano provou mais uma vez que não fica mal ser bondoso para com o adversário. Posto isto, importa referir que Ancelotti e os seus pupilos foram tudo menos bondosos ou clementes dentro das quatro linhas. Entrando a jogar num 4x4x2 com duas linhas de 4 bem definidas (tal como na semana passada), a estratégia do Real passava pela limitação de espaços aos criativos de Bayern, por uma recuperação agressiva e rápida e por uma transição veloz e eficaz. Em 20 minutos, o jogo e a eliminatória ficaram resolvidas, porém, após duas situações de bola parada, ambas finalizadas por um Sergio Ramos imperial, tanto ao ataque como na defesa. O Bayern estava desnorteado e tudo o que o Real Madrid fazia era um espectáculo: as recuperações de bola de Xabi Alonso e, sobretudo, de Modric, o início da transição rápida (muitas vezes activado pela excelência de passe do génio croata), as recepções de Benzema, esperando as entradas verticais de Bale ou Cristiano Ronaldo (ver o terceiro golo do Real, um autêntico hino ao futebol de contra-ataque), a maneira como Sergio Ramos ou Pepe limpavam tudo pelo ar e pelo solo, em antecipação, e a agressividade defensiva de Carvajal e Fábio Coentrão. Tudo correu na perfeição, sendo que com 0-3 a favor ao intervalo, bastou gerir desde trás no segundo tempo, perante um Bayern que parecia estar a jogar contra uma parede. No fim, Cristiano Ronaldo tratou de pôr a cereja no topo de um bolo em chamas, para mal dos pecados de Rummenigge...

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