quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A Roma de Rudi Garcia analisada em 5 pontos-chave



Se há exemplo de grande treinador que nunca foi um jogador excepcional creio que esse poderá ser Rudi Garcia. O francês fez uma carreira discreta, passando somente pelo Lille, Caen e acabando muito cedo, aos 28 anos, no pequeno Martigues, decorria a temporada 1991/1992. Volvidas 10 épocas, começou a sua carreira de treinador principal, ao serviço do clube com mais títulos de campeão francês, o Saint-Étienne. A coisa não resultou lá muito bem e viria a sair para o Dijon, onde durou 5 positivos anos. O clube foi mantendo a regularidade no escalão secundário mas Rudi era mais ambicioso e pretendia dar o salto para a Ligue 1 em breve. O convite surgiu então, estávamos prestes a iniciar a época 2007/2008. O nortenho Le Mans viu em Garcia o treinador perfeito para levar uma equipa com jogadores como Basa, Paulo André, Sessègnon, Romaric, Grafite ou os promissores Gervinho e Corchia a um campeonato positivo (9º lugar, com 53 pontos) e às meias-finais da Coupe de la Ligue. Uma excelente época que acabaria recompensada com uma saída para o já europeu Lille...

Em Lille, Rudi Garcia projectou o clube para outros patamares e, tal como em Dijon, conseguiu uma permanência de 5 anos no clube. O ponto alto foi atingido na época 2010/2011, com a conquista da dobradinha (Ligue 1 e Coupe). Um ano incrível de uma equipa também ela incrível (Hazard, Gervinho, Moussa Sow, Cabaye, Rami, entre outros). Nessa época, saltou à vista a qualidade futebolística daquela equipa, jogando em 4x3x3 e apostando num estilo de posse com algumas parecenças com o do forte Barça de Pep à época. A equipa pressionava bem em todo o campo e recuperava facilmente a bola, conjugando depois o talento de jogadores como Hazard, Obraniak ou Gervinho perto da área contrária. Aquele Lille produziu várias exibições sublimes, das quais destaco o soberbo jogo táctico na final da Coupe de France frente ao PSG (vitória por 1-0). No entanto, parte daquela equipa começou a decompor-se na época seguinte e, no ano passado, já era uma sombra daquele fantástico grupo campeão. O ciclo-Lille tinha terminado e o ciclo de Rudi Garcia naquele clube também.

O Lille até pode sentir dificuldades em regressar ao nível de 2010/11 em breve. Rudi Garcia, porém, deu mais um salto, desta vez para um campeonato e para uma equipa que lhe dá outra projecção e notoriedade, a AS Roma. O emblema da capital italiana viu nele o técnico ideal para levar o clube de volta à ribalta e à luta pelos títulos. Para já, cumpridas seis jornadas da Série A, diria que o objectivo parece um pouco mais próximo. Isto em termos teóricos. Num clube que parecia perdido ao longo das últimas temporadas, Garcia tem procurado dar-lhe estabilidade e resultados, através da introdução de um cunho muito próprio e do aproveitamento de alguns recursos humanos absolutamente soberbos. Ao fim de seis jogos, são seis as vitórias somadas pelo conjunto giallorosso. Explicações para o fenómeno? Há várias. Acompanhem-me nos próximos pontos se as querem conhecer:

1. 4x3x3 e a posse de bola. É certo que já nos últimos anos, a direcção da Roma procurou apostar em treinadores apreciadores de um jogo de posse (Luis Enrique, Zeman...). No entanto, nenhum deles obteve sucesso, sobretudo pelo facto de nunca terem encontrado equilíbrio e harmonia entre sectores. É verdade que Rudi Garcia talvez tenha um plantel mais completo e versátil, sim, mas também é inegável que o francês tem sabido trabalhar a equipa em todas as vertentes do jogo, incluindo a tão problemática organização defensiva. Garcia tem-se mantido fiel ao 4x3x3, com dois laterais disponíveis para fechar e subir (por norma, Maicon e Balzaretti), dois centrais possantes e com sentido posicional (Benatia e Castán), um meio-campo equilibrado e que trata a bola com carinho (De Rossi-Strootman-Pjanic) e um trio de ataque, onde o veterano Totti se mantém como falso 9, sendo acompanhado pelo flexível Florenzi e pelo veloz Gervinho (com Ljajic como alternativa principal). A eles se junta, naturalmente, o veterano keeper De Sanctis. Neste início de época, a equipa tem tido momentos muito bons, sobretudo com a bola no pé. As dinâmicas posicionais são notáveis, a inteligência dos jogadores também e existe uma classe, até nos operários, que, quando vemos a equipa jogar, nos faz sentir como se estivéssemos a assistir a uma ópera.
2. O trio do meio-campo: a nova vida de De Rossi e o "box-to-box" Strootman. De Rossi soube-se reinventar no início desta temporada, depois de algumas temporadas em que não esteve, efectivamente, ao seu melhor nível. De Rossi equilibra a equipa, é o "6" da equipa, digamos assim, rouba e fica mais posicional que os outros, embora também saia a jogar muitas vezes, porque dispõe dessa competência. Um pouco mais adiantados, estão Pjanic e Strootman. O bósnio está também numa boa fase da carreira: distribui jogo, dá óptimos passes interiores e tem demonstrado a potência do seu remate de forma bastante eloquente. Um craque. A seu lado, Kevin Strootman. O holandês é aquilo que se pode chamar de "box-to-box", dado que protege a zona do meio-campo, recupera bolas, baixa para fechar e, ao mesmo tempo, sai com bola, dá passes em profundidade e sobe até à 2ª linha. No encontro frente à Lazio, por exemplo, actuou mais perto do trinco De Rossi no 1º tempo. Não resulta tão bem. O italiano sente-se claramente mais confortável como único médio mais recuado, tendo por perto a companhia dos médios interiores. Strootman é um jogador de "ida-e-volta", daí ser tão útil neste meio-campo onde impera o sentido criativo mas também o rigor táctico. Este meio-campo é, claramente, o "centro nevrálgico" desta equipa da Roma.
3. A amplitude dos laterais e a consistência dos defesas-centrais. Maicon e Balzaretti têm sido os titulares neste início de época, embora no último jogo tenha aparecido Torosidis no lugar do brasileiro, visto que este se lesionou no desafio frente à Sampdoria. Uma das características dos laterais neste modelo de Rudi Garcia é a amplitude que dão em termos ofensivos. Alargam bastante, dão apoio permanente, sendo que Maicon tenta inclusive, muitas vezes, a diagonal. Através de passes de ruptura e cruzamentos, ambos conseguem desestabilizar as defesas contrárias. Ao centro, tem jogado uma dupla que vai revelando um óptimo entendimento: Mehdi Benatia e Leandro Castán. O marroquino é um central forte, útil no jogo aéreo, com boa saída de bola e geralmente bem posicionado. Já fez dois golos, ambos de pé esquerdo, neste campeonato. A seu lado, Castán complementa-o bem, usando de forma adequada o seu jogo físico. Também não é muito dado a deslizes posicionais. Assim se percebe, então, uma das razões pela qual esta equipa ainda só sofreu um golo em seis partidas do campeonato...
4. O renascer de Gervinho. É claro que o reencontro Gervinho-Rudi Garcia só poderia beneficiar ambas as partes. Depois do casamento perfeito em Le Mans e Lille, o extremo marfinense foi uma exigência do técnico francês para esta nova etapa em Itália. Aproveitando o seu escasso aproveitamento no Arsenal, Garcia levou-o para Roma e, na verdade, em boa hora o fez. A Roma ganhou um agitador permanente de jogo, um jogador que recuperou a confiança no um-para-um, no drible, na condução e na forma como aborda os lances. Além disso, parece outro jogador em frente à baliza (já leva 3 golos, os últimos 2 frente ao Bolonha, numa tremenda exibição individual), quando comparado com o finalizador precipitado e trapalhão do Arsenal. Ele é, sem dúvida, um dos responsáveis pelo facto da Roma ser tão profícua em termos ofensivos (17 golos em 6 jogos).
5. O "falso 9" Totti mantém-se bem vivo. Aos 37 anos, e depois de ter renovado contrato até aos 40, Il Capitano Francesco Totti mantém a boa forma. Jogando como falso 9, Totti movimenta-se com calma, com ligeireza, sendo óbvio que já não consegue ter a intensidade doutros tempos. Logo, procura outros espaços, onde possa ser participativo, sem necessitar de aumentar o ritmo do seu jogo. Com toques simples e desmarcações precisas, Totti continua a descobrir excelentes linhas de passe e a participar com regularidade no processo de construção ofensiva. Ao fim de 6 jogos (3 completos!), soma já 4 assistências e 1 golo. Um craque eterno, fazendo jus à cidade que o viu nascer e que continua a desfrutar, maravilhada, da sua enorme qualidade com a bola no pé...