terça-feira, 10 de setembro de 2013

Roménia e uma história que começou num barco a vapor...


Nos primeiros dias de Julho de 1930, uma embarcação partia do Mar Mediterrâneo rumo a uma viagem inesquecível pelo Atlântico. Levava consigo a selecção romena de futebol, rumo a uma estreia no Campeonato do Mundo, também ele na sua primeira edição. O destino estava definido: Uruguai, onde já por esta altura brilhavam jogadores como Iriarte, Cea ou o mítico Peregrino Anselmo. Precisamente os uruguaios seriam adversários da Roménia, juntamente com outra selecção sul-americana, o Peru. Os romenos estrearam-se a 14 de Julho no minúsculo Estádio Pocitos, em Montevideu. A estreia correu bem (vitória por 3-1, golos apontados por Desu, Stanciu e Kovács). Porém, o ímpeto uruguaio travou aquela que era uma das melhores selecções europeias à época. A derrota por 4-0 frente aos anfitriões supôs o final de um bonito sonho, uma epopeia verdadeiramente notável para um conjunto de rapazes que pela primeira vez atravessava o Mundo para fazer aquilo que mais gostava: jogar futebol.

83 anos passaram desde a estreia dos romenos no Mundial. Depois dessa geração, que tinha jogadores encantadores como Kovács, Stanciu ou Borbely, vieram outras grandes famílias futebolísticas: em 1970 a Roménia tinha craques como Dumitrache ou Lucescu e nos anos 90 surgiu uma geração brilhante, que passou sempre a fase de grupos e onde pontificavam jogadores como Hagi, Lacatus, Popescu, Raducioiu ou Munteanu. Foram, sem dúvida, os tempos áureos do futebol romeno, onde boa parte do "onze" da selecção principal actuava em alguns dos melhores campeonatos europeus. Depois de tantas gerações que muito deram ao futebol europeu e mundial, a Roménia tem tentado regressar à ribalta. Não tem sido fácil. Excepção feita à participação no Euro 2008, os romenos falharam todas as outras competições internacionais desde o Euro 2000. Isto pressupõe, naturalmente, um desafio para a selecção actual, treinada por Victor Piturca. Um desafio que, diga-se, poderá estar prestes a ser ultrapassado pela geração mais talentosa e consistente do futebol romeno nos últimos 5 anos...

A vitória frente à Hungria na passada sexta-feira colocou os romenos em posição de acesso ao "play-off" de apuramento para o Mundial do Brasil, ultrapassando precisamente os congéneres húngaros. A exibição da equipa de Piturca foi notável. Montada em 4x2x3x1 e jogando um futebol apoiado e com velocidade nos corredores laterais, a Tricolorii teve uma actuação notável, mostrando que dispõe de uma geração talentosa, competitiva e com boas possibilidades de dar o salto para um patamar superior. É verdade que os húngaros tiveram várias falhas comprometedoras, sobretudo na defesa e no meio-campo, mas muitas dessas falhas tiveram origem na boa pressão e colocação da equipa da Roménia. Logo ao 2º minuto, o avançado Marica recuperou bola à defesa contrária, isolou-se e atirou para o primeiro golo. Um início excepcional, onde se viram algumas das principais qualidades do ponta-de-lança titular romeno: inteligência nos movimentos, capacidade de ganhar bolas aos defesas e faro de golo.

Marica brilhou, dando muito trabalho aos centrais romenos e ganhando imensas bolas, mas não foi o único: a dupla do Steaua, Bourceanu-Pintilii, fez um jogo super-consistente. Bourceanu ficou mais posicional, enquanto que Pintilii teve maior liberdade para aparecer na 2ª linha. Bourceanu terá atingido, aos 28 anos, o auge da carreira: dá uma excelente saída de bola, tapa bem os espaços e cobra bolas paradas, especialmente cantos, de pé direito, embora também tenha um bom pé esquerdo. A seu lado, Pintilii fez um jogo notável: além do golaço, num remate colocado de fora da área, roubou imensas bolas, incorporou-se em terrenos mais avançados e deu uma clarividência enorme à equipa em boa parte das suas acções. Tal como Bourceanu, também tem já 28 anos. E estes dois conjugaram-se muito bem com a linha mais avançada do meio-campo, composta pelos talentosos Gabriel Torje (ala rápido, com tendência a movimentos interiores) e Alexandru Maxim (uma das boas revelações da nova geração, já é titular no Estugarda) e também pelo móvel Stancu, avançado que actuou descaído na faixa esquerda e que foi um apoio importante a Marica, numa primeira fase, tendo acabado o jogo no centro do ataque.

Também o sector defensivo esteve, no geral, imponente. Chiriches, reforço do Tottenham de André Villas-Boas, é cada vez mais uma certeza: impecável nos duelos individuais, intercepta vários passes e remates, além de dar bons passes com o seu pé direito. A seu lado, o experiente Dorin Goian não comprometeu. Nas laterais, ficaram muito boas impressões do lateral-direito Matel (23 anos), jogador com bastante disponibilidade física, que apoia bem o ataque e defende com critério e do experiente lateral-esquerdo Razvan Rat, fortíssimo a fechar o corredor e a subir umas quantas vezes para cruzar com o seu pé bom (o esquerdo). Ainda entraram os alas Tanase e Popa (ambos do Steaua, o primeiro deles fez o terceiro golo numa grande acção individual e o segundo agitou com a sua mobilidade e velocidade) e o médio de contenção Hoban (já trintão, esteio da equipa do Petrolul). E no banco ficaram outras boas opções, como Latovlevici, Papp ou Alexe. Portanto, como podemos ver, qualidade não falta a esta equipa. E a experiência que lhes faltou nas últimas fases de qualificação começa a ser adquirida e esse é um ponto extremamente positivo e que joga a favor desta formação. Hoje, pelas 19 horas, mais um capítulo rumo ao sonho brasileiro, com a recepção na imponente Arena de Bucareste à selecção da Turquia. A vitória deixa a Tricolorii no bom caminho para poder repetir a viagem doutros tempos. Provavelmente de avião, como fez a Roménia de Dumitrache até ao México e não num barco a vapor, como da primeira vez...